Turismo na Bósnia: Sarajevo é história pura!
Quando fizemos nosso roteiro para essa viagem à Europa Central, em certo momento nos deparamos com uma situação inevitável (pelo menos pra mim): muitas cidades para poucos dias. Por isso, tivemos que tirar algumas coisas do nosso roteiro. Mas teve uma cidade que fiz questão de manter no nosso planejamento: Sarajevo.
Para muitas pessoas (e o Paulo está entre elas), essa escolha não faz muito sentido: Sarajevo não está entre as cidades mais bonitas da Europa, talvez nem mesmo entre as da Europa Central. Mas sempre tive uma enorme curiosidade em conhecê-la, principalmente por causa da salada cultural que foi e ainda é, por ter sido o palco do estopim da I Guerra Mundial e também por causa daquele que foi o maior cerco realizado a uma cidade na História das Guerras Modernas: o Cerco a Sarajevo, que durou de 1992 a 1996. Enfim, Sarajevo é história pura, e por isso eu estava tão ansiosa para vê-la.
Confesso que a impressão não foi das melhores quando chegamos na rodoviária às 6 horas da manhã, depois de passarmos a noite em um ônibus não muito confortável que vinha de Zagreb: os arredores não eram muito convidativos e a estação fica longe do centro, o que nos obrigou a pegar um táxi até o hostel que tínhamos reservado, o Residence Rooms, que fica localizado numa enorme casa centenária.

Ficamos um pouco apreensivos de chegarmos tão cedo e acordarmos os funcionários, mas fomos super bem recebidos pelo pessoal do hostel, que, aliás, foi um dos melhores em que já ficamos: o casal Saed e Aina, donos do estabelecimento e que se dividem na recepção, são super atenciosos e educados, falam várias línguas, são super solícitos para tirarem dúvidas e fazerem sugestões e até realizam alguns passeios turísticos por conta própria. Mas só descobrimos isso algumas horas mais tarde: depois da noite mal dormida no ônibus, pegamos as chaves no quarto e decidimos dar uma dormidinha antes de iniciarmos, afinal, tínhamos dois dias para passearmos.
Dia 1
Algumas horas mais tarde, acordamos, tomamos café no hostel e fomos dar nosso primeiro tour pela cidade. Como Sarajevo é uma cidade relativamente pequena e estávamos hospedados no coração da cidade histórica (ou cidade antiga), não precisamos dar muitos passos até chegarmos ao primeiro ponto turístico: a Catedral Coração de Jesus, construída em 1889, em estilo neo-gótico. A igreja não é um atrativo em particular, mas o fato de que há poucos metros dela temos mesquitas e uma sinagoga era um fato inédito pra nós.

Em seguida, fomos até a Mesquita Gazi Husrev Beg, que é considerada a construção islâmica mais importante da Bósnia e um dos melhores exemplos da arquitetura Otomana (só para contextualizar: Sarajevo foi fundada em 1461 pelos Otomanos, fazendo parte desse império ate 1878, quando os austro-húngaros ocuparam o local até a I Guerra Mundial. Depois fez parte Grande Sérvia, depois Iugoslávia, um breve período de independência, cerco e, finalmente, a liberdade). A mesquita estava fora do seu horário de funcionamento, mas, mesmo que não estivesse, não me senti à vontade para entrar nela e em nenhum outra da cidade: o ambiente é predominantemente masculino e nada women-friendly (pelo menos tive essa impressão), e as mulheres só podem entrar pelas laterais – a entrada principal é privilégio dos homens. Por essa e por outras coisas, minha chateação ultrapassou minha curiosidade, e me contentei (mais ou menos) em olhar só de fora.

O próximo ponto foi o Gazi Husrev-Bey’s Bezistan, uma espécie de bazar que vende diversos artigos, alguns tipicamente muçulmanos, mas tem muita coisa made in qualquer lugar. Ali perto fica a Sahat Kula (torre do relógio), um obelisco no meio da cidade que chama a atenção por sua altura. Depois, fomos a outra importante mesquista da cidade, a Careva Džamija, que foi a primeira a ser construída na Bósnia (1457) depois da conquista dos Otomanos. Na minha opinião, não é tão imponente quanto a Gazi Husrev Beg, mas não sou especialista no assunto, então dei à Mesquita Careva Džamija o seu devido valor – mas, de novo, não entrei.


Um pouco mais adiante chegamos a um dos pontos emblemáticos da cidade antiga: a Sebilj (Praça dos Pombos). O lugar faz juz ao nome, pra desespero meu e do Paulo: ratos de asas pra tudo quanto é lado! Mesmo assim, deixamos o nojinho de lado e curtimos um pouco o lugar.

Com o estômago colado nas costas de tanta fome, resolvemos finalmente ir almoçar, pois já passavam das 14h. Tínhamos pegado algumas dicas que sugeriam o To be [or not] to be, restaurante decorado em um tradicional estilo bósnio. A comida, servida em pratos simples, não é nem caseira nem requintada, mas é deliciosa: eu e o Paulo nos esbaldamos em um bife ao molho de amendoim e outro ao molho de cacau, acompanhados de arroz e legumes. A sobremesa foi uma fatia generosa de doce de semolina, aquele doce árabe delicioso (felizmente, a gastronomia árabe ainda é bem viva no país).
![bife ao molho de amendoim no restaurante To be [or not] to be](http://www.viajecomje.com.br/wp-content/uploads/2015/09/20150224_151944.jpg)

Abatecidos, seguimos para a Svrzo’s House, a umas poucas quadras do centro da cidade antiga, uma espécie de museu etnográfico estabelecido em uma típica casa bósnia do império Otomano. A casa é divida entre “selamluk”, a parte onde se recebiam os convidados homens e onde eram acomodados os domésticos, e a “haremluk”, local reservado apenas à família.

Próxima parada: ela, a celebridade arquitetônica da cidade: a Ponte Latina, onde o arquiduque Franz Ferdinand e a duquesa Sofia de Hohenberg foram assassinados, conflito que originou a I Guerra Mundial. (Pausa pra foto) Atravessamos (olhando bem pra ver se nào tinha um Gavrilo Princip por perto) e fomos ao Museu de Sarajevo, no outro lado da rua, que conta com detalhes a história da cidade da desocupação dos Otomanos até a queda do Império Austro-Húngaro.

Cansados, resolvemos voltar para casa e continuarmos nosso tour no outro dia. Na volta ao hostel, passamos pela Trg (Praça) Oslobodenja e demos de cara com velhinhos jogando xadrez gigante e com a Catedral Ortodoxa Sérvia, ou Саборна Црква Рођења Пресвете Богородице. Descansamos um pouco e fomos ao bar Cheers, bem em frente ao nosso hostel. Honestamente, não recomendo. Um dos piores serviços da viagem!


Dia 2
No segundo dia, combinamos com Saed que ele nos levaria para um tour a alguns pontos turísticos mais afastados do centro. Ainda ganhamos de presente dos nossos anfitriões um café da manhã tipicamente bósnio, com direito a folhado de carne e iogurte. Como não tenho preconceito contra comida, não me importei de comer o prato às 9h da manhã. Resolvemos dar mais uma volta na cidade antiga antes de nosso passeio.
A primeira parada foi nos mercados Markale e Gradska trzinca. O primeiro é um mercado de rua, enquanto o segundo é uma construção de 1894, mas ambos foram bombardeados durante o cerco, sendo que, em um deles, pessoas faziam fila para receberem ajuda humanitária. As marcas da tragédia estão em memoriais que homenageiam as vítimas do massacre no local.

Aliás, as marcas do cerco e de outras guerras estão em todos os lugares. Ainda há muitas ruínas de prédios que foram destruídos pelos sérvios na década de 90, algumas deixadas propositadamente para que as pessoas não se esqueçam dos horrores causados pelas guerras.

Até mesmo o chão da cidade mostra as recordações do sofrimento dos bósnios: boa parte da cidade tem as chamadas “Rosas de Sarajevo”, marcas das granadas lançadas na cidade, e que depois foram cobertas por resina vermelha.

Seguindo pela ulica Ferhadija, chegamos a outro ponto que nos lembra dos sofrimentos da guerra: é a Vječna Vatra (Chama Eterna) monumento construído para as pessoas que ajudaram a libertar Sarajevo do fascismo após a Segunda Guerra Mundial. O monumento é o ponto de partida da avenida Marsala Tita, que marca a divisão entre a parte mais antiga e a parte mais nova da cidade.

Caminhando por ela, encontramos o Memorial às Crianças de Sarajevo, homenagem às mais de 1.300 crianças mortas durante o Cerco em Sarajevo. O monumento, que representa uma mãe protegendo seu filho, foi feito com material coletado após o cerco, como armas e granadas. Crianças amigas das que foram mortas deixaram as marcas de seus pés na escultura.

Completando o passeio pela Marsala Tita, chegamos até a Mesquita Ali-Pasha, construída em 1560 pelos otomanos.

Na volta, ainda passamos pela ponte Festina Lente – algo como “apressa-te devagar” – construída em 2012.

Voltando ao hostel, Saed foi em direção das colinas que circundam Sarajevo, onde, por 4 anos, os sérvios cercaram os bósnios. A posição da cidade, aliás, era bem problemática: uma das principais avenidas, a Zmaja od Bosne, foi apelidada de “Beco do Atirador”, já que era o principal alvo dos soldados sérvios, e onde diariamente dezenas de pessoas eram alvejadas.

Subindo pela estrada, chegamos a outro local bem famoso da cidade: a pista de Bobslead, construída para as Olimpíadas de Inverno de 1984, e incendiado no cerco. não sou muito chegada em esportes, mas é triste ver um local que foi construído para gerar alegria ser destruído pela guerra desse jeito. O cenário de neve deixou o lugar ainda mais desolado…


Na volta, passamos pelo cemitério judaico, em Kovacici, um dos mais antigos e importantes cemitérios judeus da Europa.


A próxima parada, para mim um dos lugares mais legais que visitei em Sarajevo, foi o museu do Túnel da Esperança. O túnel ligava a cidade a uma casa nos arredores de Sarajevo, e, entre 1992 e 1996, foi praticamente a única forma de entrada e saída que os bósnios tinham na cidade. Muitos mantimentos, inclusive, eram levados pelo túnel. Mas a viagem não era nada fácil: embora a passagem tivesse 800 metros, tinha apenas 1,6m de altura e frequentemente era inundada pelas chuvas. Hoje, os pouco mais de 20 metros que restaram do túnel podem ser atravessados pelos visitantes do museu.



Durante todo o nosso passeio, Saed nos contou como o cerco influenciou intimamente a vida de cada um dos bósnios: todos tinham algum parente, conhecido ou amigo que foi morto, um que fugiu, alguns que se mudaram e depois retornaram… Ele nos contou que enviou o filho aos Estados Unidos pouco antes do cerco iniciar, e de como ele e a esposa quase tinham sido mortos por um atirador.
Voltamos esfomeados e, por sugestão do Saed e da Aina, fomos ao restaurante Dzenita, que serve uma comida típica bósnia, ou seja, com bastante influencia turca, incluindo rolinhos de folha de parreira recheados com carne e cobertos com coalhada e o Ćevapi ou Ćevapčići, rolinhos de carne moída com um gosto parecido com o kafta árabe (comemos em Zagreb também).

Antes de encerrar o dia, ainda fomos visitar a Vijećnica (Biblioteca Nacional), uma das construções mais importantes do Império Austro-Húngaro. Infelizmente, não estava mais aberta.



À noite, para encerrar o dia cansativo, fomos à cervejaria da cidade (Sarajevska Pivara). Mais do que uma fábrica de cerveja, a Sarajevska Pivara foi importantíssima para a cidade durante o cerco, já que seu poço era a única fonte de água que os bósnios tinham. Como bar e restaurante não impressiona (embora a cerveja seja boa), mas acho que vale uma visita por seu peso histórico.



Tudo deveria estar pronto para sairmos às 6 horas da manhã do outro dia em direção ao aeroporto de Sarajevo, onde pegaríamos um avião para Belgrado, mas o voo foi cancelado, e nossas passagens, remanejadas para a tarde do mesmo. Sendo assim, decidimos dormir até mais tarde antes de darmos um último adeus à cidade.
Dia 3
Acordamos tarde, perto das 11h, tomamos café e resolvemos dar uma volta preguiçosa pela cidade. O passeio que queríamos fazer, à Fortaleza Branca (Bijela Tabija), levaria mais tempo do que tínhamos, então resolvemos ficar pelo centro histórico mesmo. Fomos novamente à Praça dos Pombos, conseguimos visitar a linda Vijećnica por dentro e nos despedimos daquela cidade simpática e voltamos para o hostel. Saed, mais uma vez super simpático, nos levou até o aeroporto, e ainda nos ajudou com o Travel Taxi que nos levaria de Belgrado a Budapeste. Enquano esperávamos o avião para Belgrado, tive toda a certeza de que minha insistência em Sarajevo valeu a pena. 😉
Até Belgrado!